"Falta muito?"... parece que é uma frase retirada de um filme de animação, mas não é! Era a frase que eu mais repetia em pequena, durante a época natalícia.
O Natal era quase sempre passado na casa dos meus avós na Régua e em Mogadouro. Para quem não sabe onde fica, a Régua pertence ao distrito de Vila Real, Mogadouro ao distrito de Bragança... Há 25, 30 anos atrás não havia tantas auto-estradas e grande parte da distância (para não dizer quase toda) era feita em estradas secundárias cheias de curvas e contra-curvas. Daí a célebre frase daquela canção dos Xutos e Pontapés "de Bragança a Lisboa são 9 horas de distância".
Bom, e o que faz uma criança pequena numa viagem tão grande nos anos 80?! Não havia videogames portáteis (os que havia os meus pais não tinham possibilidade de comprar), não havia tablets, iPad, nem internet... E eu, que não tinha facilidade em dormir na viagem, ao contrário da minha irmã que dormia quase todo o caminho, passava o tempo todo a perguntar: "Falta muito?".
Felizmente o meu pai tinha muita imaginação para inventar jogos o que ajudava a passar o tempo: encontrar matriculas com
dois zeros dos carros pelos quais passávamos, contar os carros com determinada cor, jogar ao stop... e lá ia passando o tempo. O problema era quando chegávamos àquele trajecto cheia de curvas... eu e a minha irmã ficávamos sempre enjoadas e, volta e meia, era preciso parar! Uma vez o nosso gato foi connosco e até ele ficou enjoado! A viagem custava muito mas para mim Natal não era Natal sem os meus avós e as minhas primas.
A ceia de Natal na casa dos meus avós reunia a família quase toda! E quase toda já éramos mais de 20... a minha avó, a minha mãe e as minhas tias faziam imensos doces: sonhos, rabanadas, bolinhos de abóbora, arroz doce, aletria, milhos... Ao jantar havia sempre o tradicional bacalhau com batatas e couves, que sobrava sempre e no dia seguinte fazia-se a roupa-velha. Havia também polvo cozido que é típico naquela região.
Depois de jantar havia sempre aquela espera enorme até à meia-noite, hora de abrir os presentes! E lá estava eu quase de meia em meia hora a perguntar: "Falta muito?".
Todos reunidos à volta da mesa falávamos, ríamos, cantávamos, jogávamos ao bingo... tenho imensas saudades desses tempos. Não pelos presentes, até porque naquela altura não havia o consumismo que hoje existe, mas pela reunião, pela partilha, pela presença de alguns familiares que já cá não estão, pela alegria que se tem quando se é criança e vemos tudo de forma diferente com uma inocência tão genuína.
Este ano vivo o Natal num misto de emoções... ou não estivesse eu grávida no último mês de gestação. Será o último Natal sozinha, sem a minha bebé. No próximo ano já ela terá 11 meses e vai começar a criar as suas memórias natalícias.
Natal... Natal... para o ano é que é... "Falta muito?"